sábado, 17 de outubro de 2015

Léo e Bia... Capítulo 4



Capítulo 4 – Atiçando a fera.
"Toda vez que eu olho em seus olhos... Eu sinto que eu poderia olhar neles durante toda a vida... Podemos começar pela vida... Hoje à noite... Para a vida..."
Get It Started - Shakira e Pitbull

            -Tu estás bem? – João perguntou durante o café da manhã no dia seguinte.
            -Claro – esbocei um sorriso.
            -Está tão quieta, tu não é assim, filha. Como foi a tarde com os Ávila? – ele tinha que cutucar a ferida ainda exposta, não é?
            -Dona Luíza e a Jessy me receberam super bem. Elas são uma graça e foi uma tarde muito agradável, mas agora preciso ir, pai. Não quero chegar atrasada.
            -Não esqueça a trava no jipe, ok? – sorri, beijando seu rosto. Ele havia me falado dessa bendita trava desde a hora do jantar na noite anterior.
            -E o senhor venha almoçar em casa. Coloquei seu almoço separado na geladeira, é só esquentar.
            -Sim, senhora. – sorrimos e acenei para ele pegando minhas coisas e saindo para garagem, mas meu celular tocou e precisei jogar tudo no capô do jipe, como toda bagunceira e desorganizada faria.
            -Alô – nem olhei o visor.
            -Bia – era a Jessy. Respirei fundo lembrando que tínhamos trocado nossos números de celular no dia anterior.
            -Oi, Jessy. Bom dia – ela não tinha culpa do irmão que Deus lhe deu.
            -Eu queria pedir desculpas, nem dormi a noite.
            -Não se preocupe, está tudo bem – fui sincera. Eu já gostava muito dela.
            -Mas mesmo assim, me perdoe por ele – meu coração gelou. – O Léo...
            -Vamos fazer o seguinte, pare de bobeira e me espere no estacionamento. Estou chegando, lá a gente conversa melhor.
            -Estou esperando já – sorri do desespero da minha amiga.
            -Eu juro que está tudo bem.
            -Então vem logo, que os trotes ainda não acabaram.
            -Estou chegando para nos salvar, acho que posso atropelar uns três com meu jipe, o que acha?
-Seu pai irá ter um bocado de trabalho se isso acontecer – sorrimos e desliguei.
            Precisava encarar esse problema de frente, mesmo que ele tivesse um metro e oitenta e cinco e um sorriso de matar qualquer um.
            Eu seria forte.
            Cheguei à Federal e a movimentação de bichos e veteranos ainda era grande. Assim que parei meu carro no estacionamento todos me olharam, e eu detestava ser o centro das atenções.
            -Bonito jipe, guria? Que ano que é? – um dos caras perguntou.
            -Setenta e sete – respondi tímida.
            -Parabéns.
            -Obrigada.
            Assim que avistei Jessy corri até ela, não antes de passar a tal trava no carro.
            -Bom dia.
            -Bom dia, amiga – ela mantinha a cabeça baixa.
            -Jessianny, – ergui seu rosto – já disse que está tudo bem – sorri para ela.
            -Mas tu não merecias passar por aquilo ontem, eu quase o matei – revirei os olhos imaginando a guerra que foi na fazenda. Seu Flávio já não estava muito feliz com a pessoa, depois do que ele fez então.
            -Não precisa se desculpar.
            -Mas eu preciso – congelei ao ouvir aquela voz tão perto de mim.
            -Leonardo, não complica as coisas – sua irmã foi a primeira a falar, o que dei graças a Deus, pois estava completamente muda e sem coragem para me virar.
            -Eu preciso conversar contigo, Maria Beatriz – num supetão respirei fundo e virei.
            -Não temos nada para conversar – não olhei no seu rosto.
            -Bia – ele gaguejou – eu...
            -Olha, estamos atrasadas – encontrei forças para mover minhas pernas, mas depois de três passos, Léo me puxou pelo braço.
            -Leonardo – Jessy ralhou.
            -Isso é seu – tirou nossas fotos da carteira.
            -Eu não quero mais. Fica com elas. Quem sabe consiga encontrar esse cara que tirou as fotos comigo em algum lugar – apontei para a seqüência de retratos em suas mãos.
            -Mas, Bia...
            -Até mais, Leonardo. Vamos, Jessy?
            -Vamos. E tu fiques longe da gente – pela primeira vez naquela manhã consegui olhar nos seus olhos e pude ver arrependimento. Porém eu ainda estava muito decepcionada. Não era por um cara desses que queria me apaixonar, então acho que o descontentamento era mais comigo do que com ele. E por isso, a melhor coisa a fazer era me afastar.
            A semana seguiu arrastada. Eu e Jessy estávamos cada vez mais juntas e o assunto do curral havia sido parcialmente esquecido.
            É claro que Léo ainda me perseguia, mesmo que fosse com os olhos, durante todo o tempo que passávamos juntos na faculdade, mas com isso eu poderia lidar. O que não conseguiria era vê-lo tão perto. E isso Jessy já tinha resolvido, o avisando para se manter longe de nós.
            Cheguei na sexta feira e desde o estacionamento vi uma movimentação em volta de Leonardo e seu amigo, André. O amor platônico, eu tinha certeza, de Jessy.
            -O que estais acontecendo ali? – perguntei cutucando minha amiga, que já me esperava.
            -Todos estão comprando o convite da festa da república.
            -Festa da república? – repeti confusa.
            -É a festa para os bichos que tem todos os anos, o Léo e os meninos organizam.
            -E por que tu não me falaste isso antes? Nós somos bichos, vamos assim dizer – pisquei para ela, rindo.
            -Porque o Léo nunca me deixa ir às festas das repúblicas. Ele diz que não é lugar de mulher lá.
            – O quê? - Estava pasma com aquele machismo. Mais um ponto negativo para seu caderninho negro, Leonardo Ávila.
            - E tu tens vontade de ir, não é? – eu sabia ser diabólica quando queria.
            -Eu sempre quis ir! – ela olhou para André, apaixonada.
            -Posso te fazer uma pergunta? – ela voltou a olhar para mim, intrigada.
            -Claro, Bia.
            -Tu gostas dele? – apontei para o loirinho.
            -Está tão na cara assim? – tinha conseguido deixá-la envergonhada.
            -Não. É que... Na verdade, acho que pelo nosso curso, eu observo muito as pessoas e vi que você o olha diferente desde o primeiro dia de aula.
            -Eu me apaixonei pelo André desde quando ele chegou aqui em Santa Maria, Bia. Mas sendo a irmã do “chefe” da organização, – ela fez aspas com as mãos – você sabe... Ninguém me olha desse jeito.
            -Eu vou te ajudar.
            -Como? – foi sua vez de ficar confusa.
            -Nós vamos a essa festa.
            -Acho que isso não é uma boa, Bia – Jessy fez uma careta.
            -É claro que é. Lá tu poderás ter mais chance de conversar com o André.
            -Como?  O Léo me mata se aparecer nessa festa.
            -Do seu irmão cuido eu, confia em mim – eu iria cutucar a fera. Mas não o deixaria abrir a boca com a irmã. O problema dele seria comigo. E ali Leonardo conheceria a outra faceta, ainda escondida de Maria Beatriz Albuquerque. – Precisamos comprar os convites com outra pessoa, quem mais está vendendo?
            -Não sei não, Bia.
            -Confia em mim, amiga. Seus pais não vão se importar, tenho certeza.
            -Isso eu sei. O Léo é bem mais possessivo que eles – sorri maquiavélica.
            -Então vamos lá – ela apontou para um menino que também vendia os convites, então fomos até ele já comprando os nossos para a festa do dia seguinte.
            Leonardo que me aguardasse. Eu transformaria sua vida em um inferno bem quente.
...
            -Vocês estão muito bonitas – João nos observava da porta, enquanto terminava de maquiar Jessy, que já estava pronta.
            Havia escolhido um vestido tomara que caia curto, colado ao corpo, com uma cor marrom e vermelha, mesclada. Cabelos soltos, salto alto, maquiagem leve e minhas inseparáveis lentes de contato.
Sim, eu queria causar.
            Já para Jessy, compramos um preto de alça mais larga, porém não menos curto que o meu.
            Prontas, rumamos para o jipe com João nos dando o sermão de sempre.
            “Não beba, você está dirigindo”.
            “Não aceite bebida de estranhos”.
            “Coloque a trava no carro, e o estacione em um lugar seguro”.
            Devidamente avisadas, fomos para a festa e chegando lá percebemos que a república já estava explodindo de gente.
            Estacionei ao lado da casa, mas quando desci já reparei que alguns meninos que estavam na porta nos olhavam maliciosamente.
Era isso que queria. Ser percebida para cutucar certo peão garanhão e ignorante.
            -Nossa!  Está todo mundo olhando para a gente – Jessy falou enquanto entrávamos na casa. Porém apenas um olhar me interessava e esse pousou em nós como uma águia, deixando as meninas que o paparicavam falando sozinhas.

            -O que vocês estão fazendo aqui? – Leonardo chegou enfurecido.
            -O mesmo que tu, nos divertindo – dei de ombros, tentando passar por ele, carregando Jessianny comigo.
            -Esse lugar não é para meninas! – ele olhou para a irmã e meus olhos caíram como fogo sobre as meninas que estavam com ele, minutos atrás.
            -E o que seria aquilo ali– apontei para as vadias – vacas para seu experimento do laboratório de veterinária? – dei as costas saindo, mas antes virei novamente e o encarando, completei. – Largue do pé da sua irmã, seus pais sabem que ela está aqui comigo. Então, deixe-a em paz – e antes que ele abrisse a boca, virei novamente e saí.
            Eu queria muito provocá-lo, deixar o peão a ponto de bala, mas comigo e não com a irmã, que só queria se divertir e quem sabe ter sorte com o loirinho.
            -Adoro o jeito que você enfrenta o Léo, amiga. É de uma mulher assim que ele precisa, que consiga deixá-lo de quatro e sem reação, como agora.
            -Você não está desejando ser minha cunhada, não é?  Isso está completamente fora de cogitação!
            -Que pena! Mas vamos nos divertir – vi a decepção em sua voz. Mas estava mesmo determinada. Não queria me envolver com um cara assim, nunca! , a quem estava tentando enganar? Balancei a cabeça, negando esse sentimento.
            -É assim que se fala!  Olhe ali seu loirinho no bar, vai lá que fico de olho no brutamonte do seu irmão, mas o leve para fora da vista dele, não sei se conseguirei segurá-lo.
            -Ai, será que isso vai dar certo, Bia? – Jessy estava tímida.
            -Claro que vai, confie em mim – empurrei-a sorrindo e fui para o outro lado do bar improvisado. De onde ficaria de olho em Leonardo, para que ele não estragasse a noite da irmã.
            Eu estava ali para ajudar minha amiga, mas também poderia me  divertir um pouco, principalmente da  cara furiosa do seu irmão.
            Resolvi pegar uma bebida e dançar um pouco na pista, também improvisada. Daria vida a Maria Beatriz de São Paulo, não tão pacata e muito mais animada.
            Era o que eu fazia lá, já que em casa com Maria Elisa sempre foi insuportável ficar.
            Eu tinha alguns amigos, já que saia bastante, não que isso me fizesse experiente, muito pelo contrário. Mas me fazia feliz, momentaneamente.
            Conversei com algumas pessoas que já conhecia da faculdade, algumas meninas que não eram tão vacas assim e os meninos da minha turma.
            Estava me divertindo quando fui puxada para a pista de dança, sempre com um olho em Jessy, que havia engatado uma conversa com André no fundo da casa e o outro em Leonardo, que na verdade, não tirava os olhos de mim.
            Em certo momento da noite, depois de duas cervejas e uma dose de vodca, senti mãos apertarem minha cintura, enquanto dançava uma música da Shakira e Pitbull, mas quando tentei me virar para xingar, senti seu perfume.
            -Tu estás linda, sabia? – sussurrou em meu ouvido, com nossos corpos colados.
            -Você não deveria chegar tão perto – tentei parecer dura, mas estava derretida nos braços de Leonardo. Acho que a mistura do álcool no meu sangue e a música quente tocando, não estavam ajudando para meu plano inicial, que era me manter longe dele.
            -Será que podemos dar uma trégua hoje? – continuou sussurrando no meu ouvido.
            -Preciso sentar – virei e me perdi na imensidão de seus olhos verdes e aquele sorriso aberto.
            -Vem – ele me puxou para a varanda da república, colocando seu chapéu.
            -O que você quer? – estava de pé, com as costas para ele, pois bebida e Leonardo tão perto não ia prestar.

            -Te pedir desculpas pelo que fiz aquele dia no curral. Eu fui um grosso.
            -Foi mesmo!
            -Bia, eu queria começar de novo e te mostrar, – ele me virou delicadamente, fazendo com que nossos olhos se cruzassem – que esse cara aqui existe – apontou para nossas fotos em suas mãos.
            -Eu sei que ele existe, só não sabia que ele era tão arrogante também.
            -Desculpa, Bia. Eu sou assim – Léo tirou o chapéu, mexendo nos cabelos e percebi que estava nervoso.
            -Como quando fala que essa festa não é para meninas? – tentei sair de perto do seu corpo, mas estávamos muito perto, espremidos na sacada pequena.
            -Não foi isso que quis dizer. Na verdade vocês são diferentes.
            -Mas, também nos divertimos, a Jessy tem o mesmo direito que você– tentei não me colocar em um patamar tão próximo dele, pois não era nada sua, ou era?
            -Eu só me preocupo – ele estava sendo sincero.
            -Então não a sufoque.
            -Eu vou tentar – saiu um pouco de perto de mim, encostando-se na sacada. –Você se importa de eu fumar?
            -Desde que possa dividir comigo – Léo me olhou ressabiado.
            -Então a marrentinha fuma?
            -Bebe e se diverte. Esse é um dos meus segredos e vícios. Minha mãe sempre fumou e quando me mudei para São Paulo não resisti – ele acendeu o cigarro, dando o primeiro trago, me tirando o ar. Como poderia ser tão sensual?
            -Tu me perdoas? – passou o cigarro para mim e quando nossas mãos se tocaram meu coração disparou.
            -Você sabia que não encontrei só vacas aqui? – rimos juntos com minha troca de assunto.
            -E por falar em vacas, a Mimosa... Você ajudou muito aquele dia. Ela ficou mais calma e pude fazer o parto sozinho – sorri feliz por sua constatação. – Até pesquisei a noite sobre isso, a Jessianny me falou do congresso.
            -Que bom, fico feliz.
            -Por isso queria te pedir desculpas.
            -Tudo bem, já passou. Então tu pesquisaste?
            -Pesquisei e queria te convidar para me ajudar mais vezes – estava realmente surpresa.
            -Ta – foi só o que consegui dizer.
            - Está linda hoje. Adoro seu cabelo solto – acariciou meus cabelos carinhosamente e percebi que aquela era a hora de ir embora.
            -Eu preciso ir – me desvencilhei do seu olhar.
            -Ainda é cedo – tocou meu rosto. Mas não queria cair nos encantos de uma noite qualquer com ele.
            -Mas eu preciso. Amanhã acordo cedo – menti. - Tu me faz um favor?
            -O que quiser – nossas bocas estavam tão próximas, nossos corpos colados e mais um minuto ali faria uma besteira.
            -Leve sua irmã para casa e não brigue com ela, por favor. Se eu descobrir que você gritou com a Jessy por causa dessa festa nós nunca mais conversaremos.
            -Ok! Eu entendi e não vou brigar com ela, Bia. E... Eu entendo que vocês também querem se divertir. Foi uma noite gostosa, adorei sua companhia – ele estava tentando me passar uma cantada?
            -Eu tenho que ir... Mesmo – sai da sacada com Léo me acompanhando.
            -Te levo até o carro – respirei fundo e ele me seguiu com a mão na minha cintura. – Melhor proteger isso aqui. Todo mundo só teve olhos para sua bunda hoje – estava espantada com sua mudança brusca de humor. Será que ele estava com ciúmes? Ri internamente.
            -Nem percebi.
            -Sim, tu percebeste, guria – paramos na frente do jipe. – Belo carro. Eu sou louco por jipe.
            -Para quem tem uma caminhonete, um jipe não é nada – provoquei, rindo.
            -Mas sonho não tem a ver com tamanho – Leonardo tinha o dom de me pegar desprevenida.
            -A gente se vê, Léo – abri o carro, mas ele foi mais rápido e me puxou para ele.
            -A gente se vê, marrentinha – beijou meu rosto bem perto da boca e se afastou.
            Liguei o carro, mas antes que me esquecesse avisei a Jessy que tinha ido embora e que Léo a levaria. E pedi para disfarçar, caso estivesse acontecendo algo de mais interessante entre ela e André.
            Andando pelas ruas desertas de Santa Maria pensei em como pude ser tão burra. Fui para aquela festa com o intuito de irritar ainda mais Leonardo e sai de lá suspirando, apaixonadamente.
            Droga! Eu o queria mais que a mim mesma. Mas como lidar com sua petulância?
            Lembrei então das palavras da sua irmã no começo da festa... “É de uma mulher assim que ele precisa, que o deixe de quatro e sem reação, como agora.”
            Cheguei em casa tentando não fazer barulho, mas mesmo assim João resmungou do seu quarto, perguntando como havia sido a festa. Troquei duas palavras com ele e fui para meu quarto, tirando minha foto e do Léo de dentro da bolsa.
            Ele havia sido o mesmo do dia da quermesse e isso estava me matando, principalmente por não saber o que pensar em relação a Leonardo.

            Dormi agarrada a Bartolomeu, que estava esquecido no canto do quarto desde segunda feira e mais uma vez sonhei com ele. Meu peão garanhão.

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